terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Quase Natal

“entre mim e o meu silêncio há gritos de cores estrondosas
e magias recortadas dos sonhos que acontecem naturalmente.
eu sou a cama onde me deito, todas as noites diferente,
eu sou o sorriso estridente dos pássaros no céu todo,
eu sou o mar, o oceano velho a abrir a boca numa
gruta que assusta as crianças e os homens que conhecem o mundo.
eu sou o que não devia ser e rio, rio,
rio, porque sou puro, porque sou um pouco de alegria,
(…)
porque minha é esta esperança e esta vontade
de nascer em cada manhã, em cada rosto, em cada
fósforo acesso, em cada estrela. rio, rio, rio, porque meu
é o amor e o luto e a fome e todas as coisas
que fazem esta vida que não entendo e persigo.
eu sou um homem vivo a sentir cada pedra,
eu sou um homem vivo a sentir cada montanha,
eu sou um homem vivo a sentir cada grão de areia.
desordenadamente, eu sou alguém que é eu sem o saber,
entre mim e o meu silêncio há um desentendimento
esculpido nas flores e nas nuvens, rio, rio, rio,
eu sou a vida e o sol a iluminar-me.”

José Luís Peixoto, A Criança em Ruínas

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